AXEXÊ
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Nas mais diferentes culturas, a concepção religiosa da morte está contida na própria concepção da vida e ambas não se separam. Os iorubás e outros grupos africanos que formaram a base cultural das religiões afro-brasileiras acreditam que a vida e a morte alternam-se em ciclos, de tal modo que o morto volta ao mundo dos vivos, reencarnando-se num novo membro da própria família. São muitos os nomes iorubás que exprimem exatamente esse retorno, como Babatundê, que quer dizer O-pai-está-de-volta.
O sirrum é uma metade de cabaça emborcada em um alguidar onde se encontra uma mescla de substâncias líquidas e o zerim é um pote com certas substâncias dentro que é percutido com um leque de palha dobrado em dois. Quando se trata de uma pessoa especialmene antiga e poderosa na religião, o Axexê é tocado com atabaques mesmo, com os couros ligeiramente afrouxados para serem depois também despachados no carrego. Em alguns terreiros da Nação Ketu também se usa tocar Axexê com três cabaças: duas inteiras e uma com a ponta cortada.
Para os iorubás, existe um mundo em que vivem os homens em contato com a natureza, o nosso mundo dos vivos, que eles chamam de aiê, e um mundo sobrenatural, onde estão os orixás, outras divindades e espíritos, e para onde vão os que morrem, mundo que eles chamam de orum. Quando alguém morre no aiê, seu espírito, ou uma parte dele, vai para o orum, de onde pode retornar ao aiê nascendo de novo. Todos os homens, mulheres e crianças vão para um mesmo lugar, não existindo a idéia de punição ou prêmio após a morte e, por conseguinte, inexistindo as noções de céu, inferno e purgatório nos moldes da tradição ocidental-cristã. Não há julgamento após a morte e os espíritos retornam à vida no aiê tão logo possam, pois o ideal é o mundo dos vivos, o bom é viver. Os espíritos dos mortos ilustres (reis, heróis, grandes sacerdotes, fundadores de cidades e de linhagens) são cultuados e se manifestam nos festivais de egungum no corpo de sacerdotes mascarados, quando então transitam entre os humanos, julgando suas faltas e resolvendo as contendas e pendências de interesse da comunidade.
A tradição cristã ensina que o ser humano é composto de corpo material e espírito indivisível, a alma. Na concepção iorubá, existe também a idéia do corpo material, que eles chamam de ara, o qual com a morte decompõe-se e é reintegrado à natureza, mas, em contrapartida, a parte espiritual é formada de várias unidades reunidas, cada uma com existência própria. As unidades principais da parte espiritual são:
1) o sopro vital ou emi, 2) a personalidade-destino ou ori, 3) identidade sobrenatural ou identidade de origem que liga a pessoa à natureza, ou seja, o orixá pessoal e 4) o espírito propriamente dito ou egum. Cada parte destas precisa ser integrada no todo que forma a pessoa durante a vida, tendo cada uma delas um destino diferente após a morte. O emi, sopro vital que vem de Olorum e que está representado pela respiração, abandona na hora da morte o corpo material, fabricado por Oxalá, sendo reincorporado à massa coletiva que contém o princípio genérico e inesgotável da vida, força vital cósmica do deus-primordial Olodumare-Olorum. O emi nunca se perde e é constantemente reutilizado. O ori, que nós chamamos de cabeça e que contém a individualidade e o destino, desaparece com a morte, pois é único e pessoal, de modo que ninguém herda o destino de outro. Cada vida será diferente, mesmo com a reencarnação. O orixá individual, que define a origem mítica de cada pessoa, suas potencialidades e tabus, origem que não é a mesma para todos, como ocorre na tradição judaico-cristã (segundo a qual todos vêm de um único e mesmo deus-pai), retorna com a morte ao orixá geral, do qual é uma parte infinitésima. Finalmente, o egum, que é a própria memória do vivo em sua passagem pelo aiê, que representa a plena identidade e a ligação social, biográfica e concreta com a comunidade, vai para o orum, podendo daí retornar, renascendo no seio da própria família biológica. Quando se trata de alguém ilustre, os vivos podem cultuar sua memória, que pode ser invocada através de um altar ou assentamento preparado para o egum, o espírito do morto, como se faz com os orixás e outras entidades espirituais. Sacrifícios votivos são oferecidos ao egum que integra a linhagem dos ancestrais da família ou da comunidade mais ampla. Representam as raízes daquele grupo e são a base da identidade coletiva.
1) o sopro vital ou emi, 2) a personalidade-destino ou ori, 3) identidade sobrenatural ou identidade de origem que liga a pessoa à natureza, ou seja, o orixá pessoal e 4) o espírito propriamente dito ou egum. Cada parte destas precisa ser integrada no todo que forma a pessoa durante a vida, tendo cada uma delas um destino diferente após a morte. O emi, sopro vital que vem de Olorum e que está representado pela respiração, abandona na hora da morte o corpo material, fabricado por Oxalá, sendo reincorporado à massa coletiva que contém o princípio genérico e inesgotável da vida, força vital cósmica do deus-primordial Olodumare-Olorum. O emi nunca se perde e é constantemente reutilizado. O ori, que nós chamamos de cabeça e que contém a individualidade e o destino, desaparece com a morte, pois é único e pessoal, de modo que ninguém herda o destino de outro. Cada vida será diferente, mesmo com a reencarnação. O orixá individual, que define a origem mítica de cada pessoa, suas potencialidades e tabus, origem que não é a mesma para todos, como ocorre na tradição judaico-cristã (segundo a qual todos vêm de um único e mesmo deus-pai), retorna com a morte ao orixá geral, do qual é uma parte infinitésima. Finalmente, o egum, que é a própria memória do vivo em sua passagem pelo aiê, que representa a plena identidade e a ligação social, biográfica e concreta com a comunidade, vai para o orum, podendo daí retornar, renascendo no seio da própria família biológica. Quando se trata de alguém ilustre, os vivos podem cultuar sua memória, que pode ser invocada através de um altar ou assentamento preparado para o egum, o espírito do morto, como se faz com os orixás e outras entidades espirituais. Sacrifícios votivos são oferecidos ao egum que integra a linhagem dos ancestrais da família ou da comunidade mais ampla. Representam as raízes daquele grupo e são a base da identidade coletiva.
No Brasil, nas comunidades de candomblé e demais denominações religiosas afro-brasileiras que seguem mais de perto a tradição herdada da África, a morte de um iniciado implica a realização de ritos funerários. O rito fúnebre é denominado axexê na nação queto, tambor de choro nas nações mina-jeje e mina-nagô, sirrum na nação jeje-mahim e no batuque, ntambi ou mukundu na nação angola, tendo como principais fins os seguintes: 1) desfazer o assentamento do ori, que é fixado e cultuado na cerimônia do bori, cerimônia que precede o culto do próprio orixá pessoal; 2) desfazer os vínculos com o orixá pessoal para o qual aquele homem ou mulher foi iniciado, o que significa também desfazer os vínculos com toda a comunidade do terreiro, incluindo os ascendentes (mãe e pai-de-santo), os descendentes (filhos-de-santo) e parentes-de-santo colaterais; e 3) despachar o egum do morto, para que ele deixe o aiê e vá para o orum. Como cada iniciado passa por ritos e etapas iniciáticas ao longo de toda a vida, os ritos funerários serão tão mais complexos quanto mais tempo de iniciação o morto tiver, ou seja, quanto mais vínculos com o aiê tiverem que ser cortado (Santos, 1976). Mesmo o vínculo com o orixá, divindade que faz parte do orum, representa uma ligação com o aiê, pois o assentamento do orixá é material e existe no aiê, como representação de sua existência no orum, ou mundo paralelo. Mesmo um abiã, o postulante que está começando sua vida no terreiro e que já fez o seu bori, tem laços a cortar, pois seu assento de ori precisa ser despachado, evidentemente numa cerimônia mais simples.
Em resumo, podemos dizer que a seqüência iniciática por que passa um membro do candomblé, xangô, batuque ou tambor de mina (bori, feitura de orixá, obrigações de um, três e cinco anos, decá no sétimo ano, obrigações subseqüentes a cada sete anos) representa aprofundamento e ampliação de laços religiosos, quando novas responsabilidades e prerrogativas vão se acumulando: com a mãe ou pai-de-santo, com a comunidade do terreiro, com filhos-de-santo, com o conjunto mais amplo do povo-de-santo etc. Com a morte, tais vínculos devem ser desfeitos, liberando o espírito, o egum, das obrigações para com o mundo do aiê, inclusive a religião. O rito funerário é, pois, o desfazer de laços e compromissos e a liberação das partes espirituais que constituem a pessoa. Não é de se admirar que, simbolizando a própria ruptura que tal cerimônia representa, os objetos sagrados do morto são desfeitos, desagregados, quebrados, partidos e despachados.
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