segunda-feira, 15 de agosto de 2011

O candomblé e a homossexualidade




O candomblé e a homossexualidade





Os orixás são deuses que personificam aspectos da natureza, se relacionam com determinadas atividades humanas e comportam arquétipos que informam seus feitios, domínios, atributos, traços de comportamento e personalidade. Esses conteúdos simbólicos apreendidos por intermédio da experiência religiosa são empregados pelos fiéis para classificar,  reconhecer ou integrar as pessoas de “dentro” e de “fora” na estrutura dos cultos.
Acredita-se que um indivíduo poderá se valer de seu orixá feminino ou ambivalente para
assumir sua homossexualidade. Ainda que as características míticas de um determinado orixá
possam auxiliar na identificação do orixá ao qual pertence uma determinada pessoa, isto não pode
ser tomado como infalível e inquestionável, pois as versões e interpretações míticas são inesgotáveis.
Não se pode dizer que determinando individuo do sexo masculino é homosexual porque é de um Orixá iabá(orixa feminino) ou um individuo do sexo feminino porque é de um Orixá aborô(orixá masculino),  o Orixá escolhe seu filho para representa-lo aqui no àiyé(terra) independente da condição sexual do seu filho, se hoje existe um grande número de filhos de santos hoje do sexo masculino que manifesta-se com o orixá feminino, é porque o Orixá o escolheu, ninguem dar o santo que quer dar, ninguem escolhe o seu Orixa é o contrário o Orixa é que escolhe quem irá representa-lo indiferente se o filho de santo é gay ou lésbica.
Assim como os mitos e arquétipos que informam as características gerais dos orixás, a possessão tem um papel fundamental nas crenças afro-brasileiras. Trata-se de um fenômeno ritual que permite aproximar o aiê (terra) e o orun (morada dos orixás). Diante do olhar atento de um público interessado, o iniciado se deixa conduzir por uma força arrebatadora e incontrolável. Anestesiado pelo efeito da possessão, ele é transportado para fora da realidade objetiva e cede o seu corpo para que o orixá possa manifestar sua porção divina. O orixá “desce” para desempenhar um conjunto de gestos e passos ritmados ao som dos atabaques rum, rumpi e lé. Orquestra sagrada que possibilita a comunicação com os deuses, permitindo-os se revelarem em coreografias que evocam suas passagens míticas.
Além de possibilitar a aproximação entre dois mundos distintos e distantes (mundo visível e
mundo invisível), a possessão é um eficaz operador de alteridade. Um homem, independente de sua
orientação sexual, pode ser consagrado às deusas Iansã, Iemanjá ou Oxum e rodar-no-santo
paramentado com roupas e acessórios tipicamente femininos. Os corpos se transformam portanto.
Daí o temor entre os homens heterossexuais quando se descobrem filhos de orixás femininos. Embora ninguém confirme a possibilidade de uma identificação plena ou absoluta entre pessoa e orixá, muitos receiam que as divindades femininas possam interferir na sexualidade de seus filhos “homens”.
Convém sublinhar que no transcorrer da possessão prevalece a natureza sagrada e não biológica da relação contraída entre o fiel e o seu orixá. Um homem iniciado não é um ser sexuado durante a possessão. Assim, afirma um pai-de-santo, o “gênero de uma pessoa não se altera nem antes, nem durante e nem depois do transe por que naquele momento ela não está ali, mas o orixá”.
De acordo com esta argumentação, o indivíduo não perde sua masculinidade porque, naquele
momento, não é ele quem está presente, mas o orixá para o qual foi consagrado. Indiferentes aos supostos efeitos causados pela possessão ritual, mulheres e homossexuais estão entre os que mais se adaptam à vida religiosa afro-brasileira. Para mencionar apenas um exemplo, o candomblé não só atrai, mas propicia a filiação de homossexuais interessados na religião dos orixás. Lá encontram um território de sociabilidade onde é possível “fazer estilo criando gêneros”, bem como o acesso a uma experiência religiosa não encontrada em outras religiões. Daí a corrida gay em direção aos terreiros localizados nas grandes cidades.
Dados recentes de pesquisas confirmam a presença de homossexuais presentes em todas as religiões. Mas, a escolha mais corriqueira pelas afro-brasileiras se deve ao preconceito, discriminação ou rejeição encontrada em outras denominações hostis às orientações não-heterossexuais. Ainda que estejam entre as que menos discriminam o indivíduo por razões de preferência sexual, convém chamar atenção para as
interpretações que apontam as comunidades-terreiro como o “paraíso” das minorias sexuais.
“O candomblé é feito de seres humanos”, lembra um pai-de-santo. “Nós temos cinco dedos numa mesma mão e cada um deles é diferente do outro. Quem dirá o ser humano! Nossa religião não pode exterminar todos os preconceitos lá de fora”.
Preconceito e discriminação se encontram disseminados, explícita ou dissimuladamente, em todos os lugares e religiões. Contudo, se comparado com outras crenças, o candomblé tem se mostrado mais aberto aos homossexuais, permitindo-lhes ocupar todos os postos previstos na hierarquia ritual. Embora estejam entre os que menos discriminam o indivíduo por razões de preferência sexual, os candomblecistas reproduzem certos discursos e argumentos articulados à moralidade cristã e que dão sustentação à hierarquia de sexo/gênero. Conforme o depoimento de outro sacerdote, a base do candomblé nagô-queto praticado no Brasil só prevê o “masculino” e o “feminino”.
Essa compreensão acerca da noção de sexualidade também fundamenta outras religiões, sendo que os valores judaico-cristãos tendem a prevalecer nas denominações afro-brasileiras. Daí a resistência a encarar a sexualidade como fonte de prazer, necessitando justificá-la por meio da procriação. Mesmo nos dia de hoje, tratar de homossexualidade nas casas de candomblé ainda é um tema delicado, restrito e rodeado de tabus.
Tradição, contradição e tabu compõem o diversificado mundo religioso afro-brasileiro. Essa é a realidade cultural vivida pelo povo do santo do nosso Brasil


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